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Como a pandemia será um dia lembrada pelas crianças?

por Lud Hayashi

Sabe aquelas cores que se entrelaçam e vão se misturando para compor um lindo quadro? São as recordações da infância. Até daqueles que não tiveram uma infância feliz.

Todo mundo afinal, tem carinho por aquilo que foi um dia. Mesmo se depois ficou insatisfeito. Ninguém, porém, é insatisfeito com aquilo que sonhou. Com o que lhe fez dar um sorriso. Com uma lembrança que o tocou, como o aconchego da mãe, um abraço do amigo, uma esperança qualquer, um gol no recreio ou a história contada por um pai.
É sempre tempo de se resgatar aquela pureza inicial, porque em algum canto ela existe, para o presente e tentar mudar alguma coisa. Na tela em branco, muitos valores ainda não haviam sido abraçados.

Penso sempre no livro que o meu pai lia para mim antes de dormir. “Coração”, escrito por Edmondo De Amicis, contava a história de um grupo de meninos em uma escola na Itália. Naquele universo, do final do século 19, prevaleciam os mesmos sentimentos de hoje, uma época digitalizada, informatizada, indefinida e até certo ponto indefinível.

Ora eles sopravam para a crueldade de Stardi, ora para a inveja de Votini. Assim como a História, de tempos em tempos, pende para as guerras, para o individualismo.
Mas esses “tempos em tempos” têm um tempo ainda maior que, no final das contas, prevalece sempre, no esforço de Garoffi; no ímpeto pelo conhecimento do estudioso Derossi e na bondade de Garrone, que sempre utilizava sua força para proteger os mais vulneráveis, como o tímido Nelli.

Difícil dizer que eram tempos melhores do que os atuais. Afinal, as guerras se sucediam, como aquela que levou à unificação italiana, algo positivo, naqueles anos. O enredo visava mostrar justamente isso.
Que um novo país precisa ter como alicerce os valores que sempre fizeram a humanidade caminhar para frente e sobreviver até hoje. Sem me apegar ao moralismo barato, refiro-me à ética, à empatia, ao amor ao próximo, à busca de uma verdade que se sobreponha aos nossos defeitos e ao desejo de não revelá-la.
Recordo-me da forma eloquente com que meu pai lia este livro para mim, querendo me passar aquela mensagem, enquanto eu ouvia, já sonolento, deitado na cama e me tranquilizando em relação ao dia seguinte, quando iria me encontrar com os Stardi, os Votini, mas também os Garrone, os Derossi, os Nelli e os Garoffi da vida e da escola. Qual deles seria eu? Era o que me indagava.
De Amicis também colocara essa dúvida sobre a própria identidade. Naquele tempo. Baseado em suas recordações, mesmo sem saber o que viriam a ser, nas décadas seguintes, a Primeira e a Segunda Guerra mundiais, que fizeram explodir o ódio, o egoísmo, mas também a nobreza na defesa de valores democráticos. Ele falou de inveja e generosidade sem ter visto o que viria depois, porque a essência humana era aquela.
Pergunto, então, ao meu filho, quais seriam as suas recordações do que está vivendo hoje. De pronto, ele me diz que nunca se esquecerá deste ano de pandemia, deste 2020 das aulas online, dos jogos de Fortnite, do convívio familiar intenso, das idas ao clube sempre com a preocupação de manter a máscara, mesmo nas mais divertidas brincadeiras, na quadra society, pelas alamedas ou nas piscinas e em seus escorregadores.
Enquanto ele fala, sua infância, já diante do seu crescimento, trabalha naquela combinação de cores que um dia ele vai ver adulto, ao longo dos anos. Cada geração tem sua marca. Umas passam em meio a unificações. Outras, em meio a guerras. Outras, em períodos de indefinições. E outras, em meio a pandemias.
Mas a beleza da infância acaba prevalecendo, por ela ter o dom de remodelar, de colorir, mesmo se for pela compaixão por aquilo que fomos. Sempre que buscamos fôlego e forças para superar pandemias, guerras e indefinições, geralmente não procuramos a solução naquilo que nos tornamos.
Buscamos, antes, naquilo que fomos. É quando podemos usar com mais plenitude e dar ao nosso lado racional, o toque do coração.

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