Acho a morte de um ente querido uma insensatez. Não encontro nenhuma lógica ao perder um amigo lúcido e produtivo até os últimos dias de sua vida. Assim foi com Dr. Paulo de Moraes Barros Neto, que faleceu nesta semana aos 95 anos de idade. Desde a fundação de Cianorte, em 26 de julho de 1953, Dr. Paulo andou por estas terras estando presente no churrasco de inauguração da pequena cidade que nascia no meio da mata que ainda permeava a atual Avenida Santa Catarina. O jovem engenheiro agrônomo paulista e pertencente a uma das famílias mais importantes de São Paulo na época aventura-se, com apenas 31 anos trazendo a tiracolo sua esposa saudosa Helena de Moraes Barros, para um lugar longínquo, onde a floresta e os animais silvestres habitavam um local tão longe da civilização. O casal teve dois filhosAntonio e Paulo de Moraes Barros.
A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná havia adquirido uma região no norte do estado, perto de 515.000 alqueires de matas e rios. Começou colonizando o norte velho, para devagar, ao longo dos anos chegar à fundação de Maringá e depois Cianorte. Em Maringá, Dr. Paulo estagiou ao lado de Alfredo Nyffeler, onde adquiriu a visão geral do trabalho que iria desempenhar dali para frente. Dr. Paulo foi designado pela Companhia para ser o Gerente do Escritório que se localizaria em Cianorte. Cianorte era tão somente um projeto no papel que estava sendo executado, derrubando as árvores e formando as primeiras ruas da cidade pelos mateiros da época. Ruas de terra, mal definidas, com terrenos de um lado e de outro, onde se viam raízes e troncos semi-carbonizados. Tão logo sua casa na Rua Ipiranga ficou pronta e o escritório da Companhia foi construído, Dr. Paulo mudou-se para cá com sua família, vivendo aqui dois terços de sua vida. Veio de Piracicaba onde administrava a fazenda da família.
Dr. Paulo de Moraes Barros Neto era neto de Dr. Antonio de Moraes Barros, que foi o advogado que negociou a compra de terras do Paraná, que pertenciam aos ingleses, através da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. O avô de Dr. Paulo foi o primeiro Diretor da Companhia, era um democrata, filho de magistrado, chegando a ser Deputado Estadual por são Paulo. Dr. Paulo veio do seio desta família importante e herdou de seu avô o mesmo sentimento de honra, a mesma bravura, e o mesmo destemor, além de ter uma concepção muito especial de honra privada e pública, com probidade e zelo profissional.
Como Gerente da Companhia em Cianorte e mais tarde Diretor da empresa coube-lhe grandes responsabilidades. Os lotes já estavam abertos e necessário se fazia coordenar as vendas, na zona rural e na zona urbana. Em suas mãos caíram todas as maiores responsabilidades administrativas e comerciais situadas à margem esquerda do rio Ivaí. Dedicou-se ao trabalho não só de administração como também implantou projetos de sementes selecionadas, para melhoras tanto a agricultura como nas pastagens, dedicando-se também à melhoria de qualidade dos rebanhos visando obter aumento de produtividade para a Companhia que representava.
Desde criança me lembro da figura do Dr. Paulo. Eu morava em frente à porta principal da Companhia na Rua da Constituição e via-o chegar com seu carro, muitas vezes a pé, vestindo a jaqueta cinza que o caracterizava muito bem. Cumprimentava a gente levantando o olhar e depois entrava por aquele portão onde ficava o seu escritório. Pelo seu jeito reservado, falando pouco e falando de manso, mas sempre com muita propriedade, Dr. Paulo conquistou o respeito de toda a população de pioneiros da cidade. Ele foi durante muitos anos uma referência histórica para os cidadãos que aqui chegavam. Informações de terras, de lotes, de compras e vendas? “Vai na Companhia falar com o Dr. Paulo”. A cidade jovem, praticamente, pertencia quase toda à Companhia e não era possível falar de Cianorte sem se referir à Companhia que fundou a cidade. E não é possível falar da história de Cianorte sem falar do cidadão Dr. Paulo.
Foi participante fundamental na escolha do candidato a Prefeito Municipal, na primeira eleição realizada aqui. A maioria absoluta dos lotes urbanos e rurais pertencia à CMNP, e a empresa precisava de um homem que conhecesse o projeto de desbravamento da área, para garantir que o projeto original da fundação tivesse consistência. Foi assim que alguns cidadãos, juntamente com Dr. Paulo se reuniram e os partidos existentes e a Companhia indicaram para concorrer às eleições de 1956 a 1959, o pioneiro e funcionário da empresa Wilson Ferreira Varella. Cianorte não tinha mais que três mil habitantes na zona urbana nesta época. A Companhia tinha um elo profundo com a cidade e Dr. Paulo era o gestor pioneiro e impulsionador do progresso. Com isto Dr. Paulo conquistou o respeito de toda a população que chegava a olhos vistos na cidade.
Era necessário fixar a população na terra que não apresentava nenhuma opção de lazer, a não ser pescar nos rios da região. Dr. Paulo empenhou-se em proporcionar um local aprazível aonde as famílias que chegavam aqui tivessem um local social para interar entre si. Dirigiu-se ao Dr. Hermann Moraes Barros que era o Diretor da CMNP, em São Paulo e solicitou a doação de duas quadras de terra, na Zona 2, com área de 19.600 m2, nas quais se acham as instalações do Cianorte Clube, que nasceu sob a égide da companhia.
Assim quis o destino que em 12 de setembro de 1964, com a renúncia do Presidente do Cianorte Clube ao cargo de Presidente, Dr. Paulo acabou sendo eleito como Presidente da Comissão Provisória, para substituir a administração acéfala. Dr. Paulo administrou provisoriamente, tendo como escopo aumentar o quadro social do clube para sanar as dificuldades financeiras. As novas eleições foram marcadas para o dia 23 de maio de 1965 e a chapa eleita o tinha como Presidente. Acompanhavam Dr. Paulo ilustres cidadãos da cidade e alguns funcionários da Companhia. Foi reeleito para a gestão de 69/71 e construiu a grande e a pequena piscina do clube, com a participação generosa da CMNP, assim como construiu o Parque Infantil, planejando também a construção da nova sede em alvenaria, eis que a sede era precária e de madeira.
Dr. Paulo, organizado e bom administrador entendeu também que era o momento de renovação da Diretoria, que estava à frente do clube desde o ano de 1964. E numa entrevista comigo ele me dizia: “A Diretoria do Cianorte Clube entende que chegada é a hora da renovação. Não está ela postulando reeleição. Realizamos a maior parte das tarefas que nos impusemos: o saneamento das finanças e do quadro social, plano diretor arquitetônico, construção de piscinas e quadras de esportes e enquadramento dos empregados nas leis trabalhistas.” Isto é, cumpriu ao que se propôs!
Perde a família Moraes Barros um dos homens mais humildes que conheci e um dos mais generosos, cuidadoso com suas relíquias históricas, mas sempre pronto em me atender nas minhas dúvidas sobre a história. Perde a cidade antiga que vi nascer o bom gestor que andava a pé pelas ruas da cidade, que trabalhava com prazer na sua tarefa de bem administrar. Perde a cidade atual, hoje, um homem que não conheceram, mas, que por obrigação histórica é necessário reverenciar.
Vai com Deus Dr. Paulo, a gente vai se falar outra vez, qualquer dia destes.
Izaura Aparecida Tomaroli Varella