O futuro do auxílio emergencial, criado para proteger a renda de parte da população durante a pandemia do coronavírus, tem dividido opiniões — dentro e fora do governo. E o debate tem se intensificado conforme o prazo do benefício se aproxima: de acordo com as regras vigentes, o auxílio pago a mais de 65 milhões de brasileiros termina em agosto.
Inicialmente, o governo pretendia pagar R$ 200, mas o Congresso ampliou o benefício para R$ 600. O auxílio foi anunciado com duração de três meses, a ser pago a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados que cumprem determinados requisitos, como renda familiar per capita de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou com renda total de até três salários mínimos (R$ 3.135). Em julho, o governo anunciou prorrogação por mais dois meses.
Agora o governo precisa decidir se vai prorrogá-lo novamente — e, se sim, em quais condições.
E é aí que está em jogo, de um lado, a prorrogação de um benefício que tem sido elogiado até por alguns críticos do governo como importante ferramenta para combater de forma imediata efeitos econômicos da pandemia e, de outro, a bandeira que Jair Bolsonaro levantou durante a campanha presidencial de 2018: o liberalismo econômico, personificado em Paulo Guedes.
Agora, economistas alinhados com esse pensamento liberal têm criticado a possibilidade de prorrogação do benefício, sob o argumento de que não há espaço fiscal.
O custo mensal do programa é de cerca de R$ 50 bilhões. Nos cinco meses terminados em agosto, portanto, o gasto supera R$ 250 bilhões. Para ter uma dimensão, o valor é mais que o dobro do déficit primário (ou seja, o resultado negativo) registrado em 2019, que foi de R$ 95 bilhões.
A dança em torno da agenda liberal teve novos passos na última semana.
Guedes chegou a falar em impeachment na terça-feira (11/08), ao defender o teto de gastos, regra que limita o crescimento dos gastos da União. O ministro disse que os auxiliares que aconselham o presidente a “furar” a regra do teto de gastos estão levando o presidente para uma zona de impeachment.
Outro movimento foi a saída de mais dois nomes importantes da equipe de Guedes — Salim Mattar, secretário especial de desestatização, e Paulo Uebel, responsável pela secretaria especial de desburocratização —, que o ministro batizou de “debandada”.
O desembarque de funcionários insatisfeitos marca uma virada na postura econômica do governo, segundo analistas, de uma agenda liberal para um caminho com maior atuação estatal e caráter populista.
Depois, Bolsonaro deu sinais trocados sobre o tema. Na quinta-feira (13/08), ele defendeu a manutenção do teto de gastos, depois de se reunir com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
No entanto, Bolsonaro também disse, em transmissão ao vivo, que Guedes tem 99,9% de poder sobre os temas da sua pasta.
Depois disse: “A ideia de furar teto existe, o pessoal debate, qual é o problema?”
Auxílio emergencial: inicialmente, o governo pretendia pagar R$ 200, mas o Congresso ampliou o benefício para R$ 600. — Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo
Proteção dos mais pobres e estímulo à economia
Outra linha defende que o teto de gastos não é mais importante que manter proteção à população mais vulnerável. Para esse grupo, é função do Estado proteger a população mais pobre, especialmente num momento em que a pandemia de coronavírus afeta o mundo inteiro, inclusive com sérios impactos na economia.
Nessa linha de raciocínio, o alto índice de informalidade no mercado de trabalho brasileiro é mais uma justificativa para a necessidade de o Estado agir neste momento, já que boa parte da população fica desprotegida em momento de crise.
A economia brasileira teve uma queda de 10,94% no segundo trimestre de 2020, segundo o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado uma “prévia” do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB).
Se a retração do PIB se confirmar quando o IBGE divulgar o resultado do segundo trimestre deste ano, o Brasil terá entrado oficialmente na chamada “recessão técnica”, que ocorre quando há recuo do nível de atividade por dois trimestres consecutivos.
Alguns analistas apontam que o benefício pode ter sido um dos motivos para uma melhora na aprovação do presidente pela população. É importante lembrar que, considerando também as famílias dos beneficiários, o pagamento beneficia mais de 120 milhões de pessoas — mais da metade da população brasileira.
A avaliação de Bolsonaro atingiu o melhor patamar desde o início do mandato dele, em janeiro de 2019, segundo pesquisa Datafolha realizada em 11 e 12 de agosto. Subiu de 32% para 37% a parcela de entrevistados que consideram seu governo ótimo ou bom e caiu de 44% para 34% os que o consideravam ruim e péssimo. A pesquisa anterior tinha sido divulgada em junho, mês em que foi preso Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
Segundo artigo de Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretor-geral e diretor de Pesquisas do Datafolha respectivamente, “dos cinco pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos, grupo alvo do auxílio emergencial pago pelo governo desde abril e que tem sua última parcela programada para saque em setembro.”
No mesmo texto, apontam que “não foi só a injeção de recursos no orçamento dos mais pobres que gerou frutos a Bolsonaro no último mês”, mencionando também o “abrandamento do tom autoritário, com adequações na comunicação, combinado à flexibilização da quarentena”.
Renda Brasil
No mesmo contexto de debate sobre o futuro do auxílio emergencial, o governo diz que vai criar um novo programa de transferência de renda, para substituir o Bolsa Família, importante marca do governo do ex-presidente do PT Luiz Inácio Lula da Silva.
O Bolsa Família hoje atende 14,2 milhões de famílias, com benefício que varia em função da renda, do número de pessoas na família e idade delas. O valor pago é, em média, de R$ 188, segundo dados de junho de 2020.