Sou Marcelo, tenho 9 anos. Estou no Ensino Fundamental 1, no 4º ano. Sei que você não está nem aí pra nós, crianças, mas acho importante começar te falando isso. Esse ano foi um saco! Bem difícil, viu? Eu sou ainda um menino, uma criança. Gosto de brincar de muitas coisas com os meus amigos e amigas na escola: jogar bola, esconde-esconde, pega-pega… além de desenhar juntos, fazer capoeira, pular corda, subir na árvore que tem lá.
Eu gosto de ir à escola. Sei que um dia eu disse que não gostava, mas descobri que sim. Tem lição? Tem. Tem trabalho na sala? Tem. Mas tem os momentos em que olhamos pela janela e vemos o sol. Tem as poças de água que se formam quando chove e podemos jogar nossos barquinhos de papel! Tem uma linda árvore de amora, em que subimos no intervalo das aulas para colher e comer.
Eu gosto de escrever, de ler para os meus amigos na sala. A gente conta história, se escuta, pode pular quando ficamos animados, ou descansar a cabeça na mesa quando estamos cansados. A gente abraça nosso professor sempre! Na hora da entrada, na saída e quando precisamos de ajuda. Eu vejo as crianças pequenas, que choram de saudades da mãe. Vejo que todo mundo segura uma criança no colo. Me lembro que passava a saudade quando alguém me pegava no colo.
“Tá difícil ser criança. Tá difícil não pensar em você, pandemia”
Agora, tudo isso que eu tô te contando não acontece mais porque você tá aqui. E você insiste em não ir embora. E, enquanto não for, eu e meus amigos e professores não podemos voltar. Tem gente que diz que será tudo diferente. Mas como? Não vai poder abraçar mais? Não vai poder brincar junto? Eu fico triste quando penso nisso. Quando tenho de passar um tempão na frente do computador tendo aula, que não é a aula que a gente gosta. Fico sozinho. Sinto que estou sozinho. É estranho desligar o microfone e não poder falar mais com ninguém. Queria entrar na tela do computador e brincar nele com meus amigos… aqui, na tela, não tem você. Mas isso não acontece. Você está aqui. Eu eu sinto raiva de você. Eu tô triste com você. Tô tão cansado de você!
Queria poder parar de ver as aulas, mas minha família diz que vou perder o ano. Eu já perdi tantas outras coisas… Dizem que vou ficar pra trás se não for às aulas. E eu nem me importo em ficar pra trás quando sei que posso ter um colo pra me aquecer. Mas não consigo mais me concentrar. Eu preciso brincar de novo. Encontrar gente da minha idade. Tá difícil ser criança. Tá difícil não pensar em você e nem saber ao certo quem você é, pandemia.
Por isso, te escrevo. Escrevo pra pedir que vá embora e deixe a gente ser criança de novo. Deixe meus pais livres do medo. Queria poder te desligar agora. Não dá: preciso ir pra aula.
(Liga o computador e desliga do mundo.)
Um abraço, não me responda.
Marcelo
*Marcelo Cunha Bueno é um educador apaixonado pela infância. É pai do Enrique, 9 anos. Diretor da Escola Estilo de Aprender, autor dos livros Sopa de pai e No chão da escola: por uma infância que voa.