Esqueça as calças leggings, camisetas largas, moletons desajeitados ou roupas masculinas para cobrir os corpos das mulheres acima do peso. O mundo passa por uma transformação em busca de mais tolerância e aceitação das diferenças e, é claro, o mercado da moda percebeu um novo caminho a seguir: o plus size. O nome vem emprestado do termo em inglês para tamanhos grandes e as peças acima do manequim 46, para mulheres, e do 48, para homens.
Há dez anos a indústria da moda brasileira começou a engatinhar nesse nicho, que teve um boom nos últimos três anos. De quebra, transformou as vidas de mulheres e homens que se sentiam esquecidos.
“O vestir é social. A moda ajuda na expressão da identidade”, explica a psicóloga Laís Oliveira, especialista no atendimento de pessoas acima do peso. Ela relembra que por muito tempo as meninas gordas usavam moletons e pareciam desleixadas. “Mas não eram. Elas não tinham roupas que ficassem bem”, diz.
Nos últimos três anos o mercado para tamanhos maiores cresceu 21% no país, enquanto o setor caiu 5%, de acordo com a Abravest (Associação Brasileira de Vestuário). Dados da ABPS (Associação Brasil Plus Size) indicam que, em 2019, esse mercado movimentou cerca de R$ 7,3 bilhões e teve um crescimento de 8%. São quase 16 mil lojas físicas no Brasil e mais de 650 sites de compras especializados.
Especialistas divergem sobre as causas de a indústria têxtil ter descoberto há pouco tempo um filão de mercado que representa cerca de 55% da população brasileira, de acordo com o Ministério da Saúde.
“O Brasil é muito gordofóbico [preconceito contra gordos], é o segundo país no mundo em que mais se faz cirurgia plástica. A indústria não ficou boazinha e pensou: vamos pensar nas pessoas que são excluídas do mundo da moda. Na verdade, o setor entrou em crise e buscou caminhos”, explica Aliana Aires, autora do livro De gorda a plus size: A moda do tamanho grande, considerado a primeira edição acadêmica brasileira sobre o assunto.
Marcela Liz, presidente da ABPS, acredita que o desconhecimento ajudou as empresas a ignorarem o público. “Somos mais de 50% do mercado, mas o sistema de moda é pensado para pessoas com o padrão perfeito, ou que beiram a perfeição. Trabalha para um produto de passarela, mas, na realidade, é um padrão que só existe lá”, afirma.
Independentemente dos motivos, a realidade é que o mercado mexeu com o lado psicológico de muitas mulheres e homens, colaborando na aceitação de seus corpos e na melhora da autoestima.
“O gordo é um corpo público que todo mundo se acha no direito de apontar o dedo, demonizar, julgar”, diz Adriana Carvalho, de 38 anos, estilista e fotógrafa especializada no mercado plus size. Encontrar opções nos cabides traz uma sensação de pertencimento e, com ela, vem a inclusão, analisa.
“Quando vejo fotos minhas de 10, 15 anos atrás, fico impressionada. Vestia o que servia. Hoje tenho 43 anos e nas fotos antigas aparento mais idade do que tenho hoje. Não encontrava as roupas que sempre gostei de me vestir”, diz Flavia Durante, criadora da feira Pop Plus, a maior da América Latina no mercado de tamanhos grandes.
A experiência da estudante de moda e costureira Jaqueline Lima Santos, de 25 anos, é semelhante. “Me senti poderosa e livre. Parei de usar o que eu encontrava, para vestir o que eu gostava. Pensei: Não preciso emagrecer para ficar bem”, diz.
Movimentos como o “Body Positive” (corpo positivo), impulsionados nas redes sociais, contribuíram para que um mercado consumidor que necessitava ser atendido fosse visto. “A internet deu voz ao público. Além de termos a feira Pop Plus, os movimentos que surgem de aceitação dos corpos alavancaram a busca e o crescimento”, explica Aliana Aires, doutora em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM.
A Pop Plus foi criada em 2012 e hoje é apontada como uma das mais importantes do setor, por ser cultural e não só voltada ao consumo. “Criei da necessidade que tinha de encontrar marcas com propostas autorais e contemporâneas. A gente até encontrava, mas tudo sem informação de moda, tendência. Tudo muito antiquado, atrasado. Minha principal ideia era que a gorda fosse respeitada e vista como influenciadora. Finalmente estamos começando agora”, diz Flavia.
No início, a idealizadora da feira teve problemas para encontrar marcas dispostas a vincular seus nomes ao plus size. “Algumas marcas riam da minha cara, falavam que era cafona e brega fazer roupas para gordos. Nos últimos eventos, tenho de fazer um filtro de marcas de acordo com as necessidades que sinto naquela edição da feira. Quero coisas diferentes, marcas que possam lançar tendências e coisas que nunca tivemos no plus size”, explica.
Além de marcas menores e autorais, as lojas de departamentos entraram com força no segmento. Atualmente, é possível entrar peças plus size nos shoppings e grandes centros comerciais.
A Marisa produz roupas maiores desde 2010 e, em 2017, criou uma marca específica de tamanhos grandes. A empresa não revela o valor investido, mas garante que é alto, uma vez que as 350 lojas da rede foram remodeladas e um time de profissionais foi contratado para pensar exclusivamente nas coleções plus size.
As vendas da linha plus size da rede cresceram acima de 20% em 2019 e já representam mais de 10% do faturamento total da marca. “Já valeu a pena o investimento. Além de agregar à marca, todas as mulheres se veem na loja”, afirma Marco Nuraro, vice-presidente comercial e de marketing da Marisa.
Mas a melhora da vida das pessoas gordas e o crescimento do mercado plus size não podem ser confundidos com apologia à gordura. Esses fatores se relacionam ao respeito à individualidade de cada ser humano.
“A gordofobia é mais prejudicial do que a gordura em si. É necessário o fim do estigma ao gordo. Não dá para pensar: ou a pessoa emagrece ou ela é excluída de tudo. Não necessariamente o gordo come muito, o gordo tem problemas de saúde. As pessoas têm o direito de terem o corpo que quiserem”, afirma Aliana.
Para a fotógrafa Adriana a aceitação é o mais importante. “Cada pessoa tem um biotipo, é necessário respeitar isso e, a partir da aceitação do biótipo, as pessoas precisam buscar como mantê-lo saudável.”
Mesmo com números positivos, a indústria precisa resolver alguns problemas, como modelagem de roupas, diversidade de produtos e distribuição. Uma pesquisa da ABPS mostra que 63% dos consumidores sentem falta de opção e 77% reclamam que as peças não vestem bem.
Como no Brasil não existe uma padronização dos tamanhos p, m, g e gg, a produção de roupas grandes fica ainda mais difícil. “Não é pegar os produtos e aumentar. Existem ajustes para diferentes corpos. Não é uma questão de tamanhos maiores e sim os corpos são diferentes. Nem todo produto fica bom no tamanho maior”, explica Nuraro, da Marisa.
Com relação à diversidade, os homens são os mais esquecidos pelos varejistas. “O mercado masculino ainda é pequeno em relação à necessidade. Está errado quem pensa que homem veste qualquer coisa”, comenta Marcela Liz, da ABPS.
“Precisa que cada vez mais marcas levem para todo o Brasil peças grandes. Tem consumidoras que querem e não encontram”, diz Flavia Durante, ao criticar a baixa distribuição de opções plus size pelo país.
Pensando nesses problemas, o Sebrae São Paulo está na terceira edição de um curso que ajuda o microempreendedor e as grandes marcas a trabalharem com esse público. “Temos um leque de oportunidades muito grande. O gordo é como qualquer outro. Precisamos ter diversidade de cortes, cores e estampas. Por que para o magro tem tendência da moda e para o gordo não?”, questiona Larissa Miyazaki Moreira, gestora de projetos e negócios Sebrae-SP.
A professora Aliana Aires faz questão de dizer que o Brasil ainda está dando os primeiros passos nesse sentido. “A moda plus size é uma maravilha e um inferno. É triste ter de existir um mercado específico. É como se fosse um submundo. Mas temos de comemorar a inclusão. Estamos só começando, a maioria das marcas ainda produz roupas para esconder o corpo. Mas o corpo é livre, seja lá qual for o corpo. Cada um tem suas particularidades. Na verdade, é só respeitar o direito de cada um ter o corpo que quer.”