Que a família real britânica e seus satélites se portam das formas mais estranhas que se possa imaginar não é segredo para ninguém. Ainda mais depois do sucesso de audiência da série The Crown, exibida pela Netflix, na qual diversas situações inusitadas são dramatizadas e, mesmo não se tratando de um documentário, é possível se ter uma ideia de como algumas coisas funcionam. O estilo de vida de pessoas que nascem com a liberdade de ter o mundo aos seus pés, mas, ao mesmo tempo, são reduzidas aos limites que inúmeras regras e protocolos impõem é mesmo bem difícil de entender.
Porém, mais difícil do que isso é entender que tipo de legado Meghan Markle pretende deixar para as milhões de jovens que a consideram um exemplo de mulher bem-sucedida e empoderada. A ex-duquesa já havia construído uma carreira considerável como atriz e conquistado sua independência financeira. Bonita, talentosa, ativista das causas raciais, militante feminista, famosa, milionária. Além de todo esse currículo, Meghan conquistou o coração de um príncipe, teve um casamento de conto de fadas e ascendeu a uma posição que as palavras exclusiva e privilegiada não são suficientes para descrever.
Mesmo assim, no último domingo, em entrevista à apresentadora americana Oprah Winfrey, a atriz revela que quase sucumbiu à relação conturbada com a cunhada, Kate Middleton, duquesa de Cambridge, e ao racismo, pensando constantemente em suicídio. “Eu simplesmente não queria mais estar viva”, declarou. Entre as revelações, Meghan afirmou ter havido conversas expondo a preocupação sobre “quão escura” seria a pele de seu filho Archie, hoje com um ano e dez meses de idade.
O que se pode concluir é que a mensagem que Meghan Markle passa para as mulheres –principalmente para as negras – que nela se espelham é que não importa quão rica, famosa e nobre você seja, pois, uma vez que você é mulher e negra, sempre será oprimida, onde quer que esteja, não importa o que faça. As narrativas que apontam o racismo como raiz de todos os problemas estão ainda mais em alta após as declarações de Meghan, mas basta lembrar de Diana Spencer, princesa de Gales, para perceber que fazer parte da família real britânica envolve questões que pouca gente consegue analisar com precisão, mas que obviamente é uma posição opressiva por si só.
Lady Di viveu mais de 15 anos ininterruptos sob o escrutínio da imprensa, sofreu com um casamento infeliz e teve de lidar com a frieza e a indiferença da família real. Desenvolveu distúrbios alimentares e tentou o suicídio. Tudo isso sendo branca, loira e de olhos azuis. Ainda assim, o mundo vai creditar a saída de Meghan e Harry da realeza ao racismo. Afinal, essa é a narrativa que diz defender a mulher negra, mas que, na prática, acaba por reduzí-la ao papel de eterna vítima.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.