A variante brasileira do coronavírus SARS-CoV-2, causador da covid-19, está no centro das atenções da OMS (Organização Mundial da Saúde). A entidade quer saber se essa linhagem é capaz de reinfectar pacientes que já contraíram outras cepas do vírus, se é mais transmissível e se há impacto na gravidade da doença.
O virologista Felipe Naveca, pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), faz parte da equipe que descobriu a variante (chamada de B.1.1.28.1 ou P.1) E afirma ao R7 que já fez três reuniões virtuais com a OMS nas últimas duas semanas, a mais recente na sexta-feira (22).
“Em todas elas [reuniões], os temas principais eram reinfecção e as novas variantes. […] A OMS está muito preocupada com isso, foi o tom da reunião agora. A gente não consegue confirmar todos os casos, inclusive está sendo rediscutido o critério para confirmar a reinfecção.”
A variante brasileira, assim como as descobertas no Reino Unido e na África do Sul, possui alterações genéticas significativas nas proteínas de superfície que se ligam aos receptores no corpo humano. Embora diferentes, elas têm essa similaridade entre si.
“O que foi estabelecido [pela OMS] como prioridade absoluta para esses casos é confirmar em exames de laboratório se as novas variantes escapam da neutralização — na África do Sul, acabou de ser divulgado um trabalho que a variante deles escapa de anticorpos anteriores”, conta Naveca.
O pesquisador da Fiocruz Amazonas afirma que “chama muito atenção o fato de que, de maneira independente, mutações nas mesmas posições [de genes] ocorreram. Isso é um sinal de que tem alguma vantagem para o vírus”.
Ele explica como, diferente das anteriores, essas variantes são mais “evoluídas”.
“Fazendo uma analogia simples: a nossa célula seria a porta e a fechadura seria o receptor [por onde o vírus entra no organismo]. O vírus conseguia abrir aquela porta, mas era uma chave que não era muito boa. Agora, a gente pode ter uma chave que consegue abrir com muito mais facilidade. Por isso chamam muito atenção essas mutações.”
Na avaliação de Naveca, o fato de haver milhões de pessoas infectadas a cada dia no mundo representa trilhões de coronavírus sendo replicados o tempo todo: um cenário ideal para que haja mutações frequentes.
“Esses eventos estão começando a surgir de uma maneira mais preocupante. Em pouco tempo, tivemos três variantes que são classificadas pela OMS como VOC [variants of concern, ou variantes preocupantes, em português]. E possivelmente podem surgir outras. Se a gente não diminuir a transmissão do vírus, a chance de surgirem outras é grande.”
Cientistas brasileiros começaram a trabalhar imediatamente após a descoberta da nova variante em Manaus — responsável pela reinfecção de uma mulher de 29 anos.
As amostras foram enviadas para a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no Rio de Janeiro para saber se essa cepa do vírus é resistente aos anticorpos encontrados em outras pessoas infectadas por outras linhagens mais antigas. As conclusões ainda devem levar algumas semanas.
“O que a gente ainda não sabe é se o maior responsável pelas reinfecções é o fato de ser uma variante que escapou da resposta imune da primeira ou se é porque os níveis de anticorpos caem demais entre uma infecção e a outra. Podem ser as duas coisas, inclusive.”
Outros estudos estão sendo feitos para determinar a prevalência dessa variante nos novos casos de covid-19 no Brasil. Apesar de não haver confirmação oficial dessa cepa em outros estados, Naveca afirma que é possível que ela já esteja fora de Manaus — em dezembro, o Japão detectou a linhagem em viajantes procedentes do Amazonas.
“Vamos usar o exemplo da Inglaterra. Quando encontraram a variante deles, que é parecida com essa nossa, mas não é a mesma, já estava no país inteiro. Estamos falando do país que é o exemplo mundial de vigilância genômica, de sequenciamento, que faz milhares de vezes mais que a gente faz. Eles não conseguiram conter lá. Não seria nenhuma surpresa se essa variante fosse encontrada em outro estado brasileiro.”
Um estudo de cientistas brasileiros publicado em 12 de janeiro na plataforma Virological, ainda dependente de revisão por pares, mostrou que 41% das 31 amostras colhidas em Manaus, entre 15 e 23 de dezembro, eram de pessoas infectadas com a nova cepa do coronavírus.
Todavia, Naveca afirma que a preocupação da sociedade não precisa ser com a variante, mas sim com a pandemia como um todo.
“Independente de ser vírus selvagem ou vírus mutante, se nós tomarmos os cuidados necessários, a gente diminui a circulação dele. Isso é fundamental neste momento”, diz, ao reforçar a necessidade das medidas de distanciamento físico e uso de máscara.
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