Há um ano o Ministério da Saúde confirmava o primeiro caso de covid-19 no Brasil. Era um homem de 61 anos, vindo da Itália, que em fevereiro de 2020 era o epicentro da pandemia no mundo. De lá para cá, os números de infectados e mortes só cresceram e atualmente o país se encontra na pior fase da pandemia. Só na última quinta-feira (24) morreram 1.521 pessoas, recorde desde o começo das medições.
Já são mais de 10,4 milhões de pessoas infectadas e as mortes superam as 251 mil pessoas. Só os Estados Unidos tiveram mais óbitos do que aqui: 518 mil indivíduos. No ranking de infectados, o Brasil está na terceira posição, atrás dos EUA e da Índia.
De acordo com especialistas, os números estão tão altos devido a um conjunto de fatores, alguns comuns ao desenvolvimento de qualquer vírus, outros ligados às atitudes das pessoas e, ainda, outro inerente ao desenvolvimento da ciência.“Existem fatores que são inerentes à evolução do próprio vírus, como o surgimento das variantes. O SARS-CoV-2 é muito bom para causar uma pandemia, porque no início os infectados não apresentam sintomas, só a partir do terceiro ou quarto dia e, com isso, a doença já espalhou para muita gente”, afirma Rosana Ritchamann, infectologista do Instituto Emílio Ribas,em São Paulo.
De acordo com boletim divulgado pelo Imperial College, no Reino Unido, na última segunda-feira (22), a taxa de transmissão da covid-19 no Brasil está em 1,02, o que significa que 100 pessoas infectadas passam a doença para 102 saudáveis, portanto, a pandemia está em aceleração no país. A taxa tem de estar abaixo de 1 para indicar melhora.
E é aí que aparecem as causas relacionadas às atitudes das pessoas. “O Brasil apresentou uma alta grande entre julho e setembro de 2020. Mas, quando os números começaram a regredir, os governos e a população diminuíram o isolamento social, aumentaram as aglomerações e os números voltaram a crescer”, explica o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
Vacinas vão demorar para chegar a todos
“Nós brasileiros, felizmente, somos uma população que gosta de abraçar, beijar, conviver com família, amigos… Não conseguimos mudar os hábitos em um curto espaço de tempo. Além de termos dificuldades para manter o afastamento por tanto tempo”, concorda a infectologista do Emílio Ribas.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, foi esse jeito de ser da população que contribuiu para o surgimento da P.1, a variante do SARS-CoV-2 do Amazonas. “No início do segundo colapso da saúde em Manaus, a nova variante foi responsabilizada. Mas, na verdade, foi uma total inobservância da população que fez com que o vírus se multiplicasse. E é sabido que quanto mais a população viral se multiplica, maiores são as chances de mutações”, conta Guimarães.
Além do grave problema de falta de oxigênio, a segunda onda levou o estado do Amazonas a apresentar a maior taxa de mortalidade do país, com 3,42% por mil habitantes. São mais de 10.500 mortos e 311 mil casos confirmados.
Para os médicos que trabalham com a pandemia desde o início, a população não pode ser responsabilizada totalmente pelos altos índices casos, uma vez que as autoridades públicas não foram claras sobre os riscos e propagação da covid-19.
“Estamos em uma fase de insegurança, a falta de comunicação clara colabora ainda mais para essa insegurança. A partir daí, as pessoas acreditam na primeira mensagem de WhatsApp que aparece”, salienta Rosana.
“O governo nunca se definiu combativo à pandemia, as falas vindas eram sempre conflitantes”, acrescenta Flávio.
Os baixos índices de pessoas vacinadas também é um fator que agrava a pandemia no Brasil. Apenas dois imunizantes são aplicados por aqui, Coronavac e Oxford, sendo que outros cinco estão sendo usados no mundo. Na última segunda-feira (22), a farmacêutica Pfizer conseguiu autorização para uso da vacina fabricada pelo laboratório, e só agora o governo sinaliza com a possibilidade de compra de doses.
“Há um ano sabíamos quais eram os laboratórios e onde estavam sendo produzidas vacinas. Somos país grande e não nos planejamos. Agora, estamos correndo atrás agora. Muitos países já compraram mais vacinas do que têm de população”, conta Rosana.
O virologista Flávio Guimarães lembra que as aplicações ainda acontecem nos grupos de risco, que não são os responsáveis por espalhar a covid-19. “A vacina está sendo ofertada para os indivíduos mais suscetíveis, mas eles não fazem o vírus se multiplicar. É na população ativa que o vírus se mantém ativo e não tem perspectiva deles se vacinarem nos próximos seis meses.”
Do desenvolvimento da ciência vem um outro motivo apontado para a propagação do novo corinavírus: a falta de um tratamento precoce. “Quando chega uma paciente em meu consultório e fala: estou com dor de garganta e meu marido foi diagnosticado com covid. O que faço? Eu não tenho o que oferecer para ela não desenvolver a doença. As drogas vão aparecer, mas ainda não temos”, lamenta Rosana.
Por tudo isso, só uma coisa ajuda na disseminação ainda maior da covid-19: distanciamento. “Tem de haver isolamento e higienização correta para conter o vírus, principalmente com o inverno chegando no Sul e Sudeste do Brasil, quando aumentam os casos de doenças respiratórias. Parece um disco riscado falamos isso desde o começo, mas aqui, infelizmente, é assim. As pessoas nem sempre respeitam as determinações”, ressalta o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
A médica infectologista do Emílio Ribas diz que fechamento total das cidades é a única solução, mas entende a dificuldade de colocar regras tão rígidas no país. “Estamos há um ano falando de medidas, mas efetivamente não tomamos medidas mais drásticas. Outros países tomaram. Lockdown, é fechamento mesmo. Num país como o nosso é muito difícil. Para ficar em casa, precisa ter condições de ficar confinado. Aqui não dá. Não adianta falar na teoria em lockdown e na prática ser impossível de cumpri-lo.”