O Ministério da Saúde programa a vacinação dos adolescentes, de 12 a 17 anos, a partir de setembro. Algumas cidades, como Niterói, no Rio de Janeiro, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e São Luís, no Maranhão, já estão aplicando doses da Pfizer nesta faixa etária.
Mesmo com a volta às aulas, que aconteceu nesta semana, a gravidade e evolução da variante Delta no país levanta a questão sobre qual estratégia é mais eficaz: imunizar os adolescentes, que têm menos chance de desenvolver covid grave, ou antecipar a segunda dose de adultos para, assim, aumentar o número de pessoas completamente imunizadas?
A questão se refere apenas aos adolescentes saudáveis. Uma vez que, na opinião de especialistas ouvidos pelo R7, as pessoas com comorbidades deveriam ter sido imunizadas, assim que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou uma vacina para a faixa etária.
“O adolescente de risco já deveria ter sido vacinado, como todos os adultos com fatores de risco. Já que temos vacina licenciada para essa faixa etária. Não há por que imaginar que uma grávida de 16 anos tem menos riscos que uma gravida de 20 anos. Um obeso ou um moleque diabético tem menos risco que um diabético ou obeso de 20, 30 anos, que já foi vacinado há um tempo”, observa Renato Kfouri, pediatra e infectologista, diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Após quase um ano e meio de pandemia, a ciência já sabe que pessoas abaixo de 18 anos, se infectadas, têm menos chances de evoluir para covid grave, que leva à hospitalização e pode causar morte. Baseado nesse conhecimento, Soraia Smaili, farmacêutica, professora de farmacologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenadora do centro SOU_Ciência, defende que a preocupação ainda deve estar concentrada na imunização de adultos.
“Falarmos em reduzir faixas etárias antes de termos uma cobertura vacinal adequada acima dos 18 anos é algo que é muito precoce. Temos de garantir que a maior parte da população, principalmente dos 18 anos até 40 anos, que é a faixa que estamos agora, recebam a primeira dose”, afirma Soraia.
O virologista José Eduardo Levi, professor do Instituto de Medicina Tropical da USP e chefe da Unidade de Biologia Molecular dos laboratórios Dasa, acrescenta que a preocupação de vacinar adolescentes deveria existir só com o excesso de imunizantes.
“Se todo mundo tomou a primeira dose e há vacina para tomar a segunda, aí pode começar com quem quiser. Mas se não tem, neste momento, não pode colocar prioridade primeira dose em adolescentes antes da segunda dose em adultos. Acho uma decisão equivocada. Depois que todos os adultos acima de 30 ou 40 tenham completado a segunda dose, se começa a vacinar os adolescentes”, diz Levi.
“Se tivermos doses suficiente para diminuir o intervalo seria extremamente interessante. Assim, teríamos mais gente totalmente vacinada em um espaço de tempo menor. Com isso, estamos mitigando a doença e produzindo uma segurança para a sociedade. Associado ao uso de máscara, vamos proteger mais a população e, de maneira indireta, também os adolescentes”, defende Soraia.
A previsão do Ministério da Saúde é que o Brasil receba até o fim de setembro 132,7 milhões de doses. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou no sábado (31), que toda a população brasileira deve ser vacinada até setembro.
“Adolescentes saudáveis devem ficar mais no final mesmo. Após terminar os adultos vacinados, discutimos adolescentes. Discutimos a ordem das vacinações porque não tem vacinas. Acho que em outubro chegaremos no cenário de termos o suficiente e não teremos de fazer escolhas”, prevê o infectologista Renato Kfouri.
Independentemente de definir a estratégia da prioridade, o diretor da SBIm ressalta que ainda não vê motivação para antecipar a segunda dose da Pfizer, única autorizada para pessoas de 12 a 17 anos no país.
“Dados consistentes mostrados até agora, indicam que uma dose, dentro do intervalo de três meses tanto para a Pfizer quanto para a AstraZeneca, é eficaz para prevenção das formas graves da doença, mesmo infectado com a Delta. Aumenta um pouco a transmissão, mas não prejudica as formas graves”, explica Kfouri.
O Brasil optou pelo intervalo de três meses entre as doses nos casos da vacina da Pfizer e da AstraZeneca. A bula da Pfizer sugere 21 dias de distância entre as doses. Já a fabricante da AstraZeneca, devido a evolução da variante Delta, afirma que o intervalo de 8 semanas pode ser mais eficaz contra a cepa que surgiu na Índia.
Além da Pfizer, a CoronaVac entrou com pedido junto à Anvisa para conseguir autorização de uso do imunizante em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos. O Instituto Butantan já entregou documentos de uma pesquisa realizada na China e aguarda a aprovação da agência.
Renato Kfouri lembra que a vacinação infantil e juvenil não pode ser deixada de lado, mesmo que as mortes e a gravidade da covid sejam menos graves na faixa etária. “Nós desviamos a atenção, porque a criança raramente morre. Comparado com os adultos, só 0,33% de mortes. Mas, isso significa que 2 mil crianças e adolescentes já morreram por covid, comparado com as mais de 550 mil pessoas é pouco, mas é muita gente. É mais do que sarampo, difteria, coqueluche, febre amarela, meningite, gripe, somadas no ano”, lamenta o infectologista.
“O número de mortes não é proporcional, a vacinação não é prioritária, mas não pode ser negligenciado. Os números são grotescos nas outras faixas etárias, mas não é negligenciado e nós vamos ter de vacinar adolescentes e crianças em algum tempo”, conclui Kfouri.