Em 2020, a Sociedade Real de Prevenção Contra Crueldade Animal(RSPCA, na sigla em inglês) resgatou, em Chelmsford, Essex, no Reino Unido, uma gaivota que estava com uma máscara enrosacada em suas patas. Depois de passar duas semanas em observação, o RSPCA recebeu o chamado, dizendo que a ave havia se enroscado e estava tentando se desvencilhar do objeto.
A instituição levou o animal para tratamento, já com os membros inchados, no Hospital de Vida Selvagem de Essex do Sul. O veterinário responsável pela gaivota explicou que a ave precisou de anti-inflamatórios e estava sendo observada, mas que estava se recuperando bem.
A imagem desse caso circula no Whatsapp junto da seguinte mensagem: “Uma orientação que recebi e estou retransmitindo: – Ao descartar máscaras, cortar as alças, pois tem casos de pássaros enroscados com máscaras. Pode acontecer com outro animal também.”
A mensagem retrata uma situação real, que também já chegou ao Brasil. Em setembro do ano passado, no Litoral paulista, um pinguim-de-Magalhães foi encontrado morto pelo Instituto Argonauta para Conservação Costeira e Marinha. Na autópsia descobriram uma máscara facial PFF-2 embrulhada no instestino do animal. O caso ficou mundialmente conhecido após ter sido publicado na revista científica Marine Pollution Bulletin, em março de 2021, gerando grande repercussão.
Em relatório, o presidente do instituto, oceanógrafo Hugo Gallo Neto, afirma que embora a pandemia tenha reduzido o volume de lixo ao tirar as pessoas da praia, agora está aumentando o risco, porque as pessoas acabam dispensando essas máscaras em locais inadequados. Ele, que trabalha há 23 anos com o problema do lixo marinho, afirma que “essa é uma nova ameaça, que infelizmente chegou junto com a pandemia.”.
Essa espécie de pinguim migra, todos os anos, da Patagônia argentina para áreas mais ao Norte, em busca de alimento. Alguns acabam se perdendo e são encontrados nas praias brasileiras. Em levantamento feito pelo Instituto, foram encontradas 113 máscaras nas praias do litoral norte de São Paulo, no mês de setembro de 2020.
Em nota ao MonitoR7, a equipe do Argonauta relatou que desde o começo da pandemia já coletaram 791 máscaras, sendo 318 em 2020 e 473 em 2021. O mês de maior coleta foi janeiro de 2021, com 132 máscaras coletadas, seguido por maio 2021, com 92 unidades.
O oceanógrafo alerta que além do impacto na fauna marinha, o descarte inadequado das máscaras é um risco para a saúde humana, pois a máscara pode contaminar outras pessoas com o coronavírus. E lembra que há um impacto econômico, “pois uma praia suja não atrai turistas e visitantes”. Ele afirma ainda que não existe outra maneira de resolver essa questão “senão com uma política forte de educação para a população local e turistas.”
De acordo com um artigo publicado na revista Animal Biology, em março desse ano, já foram registrados casos de complicações ou mortes de animais relacionadas aos EPI (Equipamentos de Proteção Individual) no Reino Unido, Holanda, Canadá e Itália. Além dos animais marinhos, casos de bichos terrestres emaranhados em máscaras ou outros descartes da pandemia já foram flagrados nos países citados acima, além de Estados Unidos, França e Malásia.
No artigo, os autores afirmam: “[…] já sinalizamos o lixo da COVID-19 como uma ameaça emergente aos animais. O lixo EPI já foi encontrado em ecossistemas terrestres, de água doce e marinhos. Além disso, seu impacto é observado em todos esses habitats, tanto por vertebrados quanto invertebrados, desde pássaros e mamíferos a peixes e caranguejos.”.
A RSPCA promoveu, em setembro do ano passado, uma iniciativa que incentiva as pessoas a cortarem as alças das máscaras antes do descarte, para que esse tipo de acidente possa ser evitado.
Ainda em nota ao MonitoR7, o Instituto Argonauta reforça que é importante que o descarte do lixo, incluido as máscaras, seja feito sempre de maneira adequada. E em relação às praias, é fundamental que os turistas sempre depositem o lixo nas lixeiras e na ausência destas, que o tragam de volta até encontrarem um lugar para descarte adequado.
O periódico científico, Heliyon, mostra em um estudo que desde o início da pandemia, até o fim do ano passado, cerca de 1,6 toneladas de lixo plástico era dispensado no mundo todos os dias. Em realação às máscaras faciais, em torno de 3,4 bilhões delas eram jogadas no lixo todos os dias em 2020.
Somente na capital paulista, de acordo com dados da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana(AMLURB), em março de 2021, foi registrado um aumento de 17% na geração de resíduos hospitalares desde o começo da pandemia. Durante esse primeiro ano de quarentena na cidade, foram coletadas cerca de 39 mil toneladas de resíduos de saúde, contra 33.4 mil toneladas durante o mesmo período de 2019.