Somente nos primeiros quatro meses deste ano, 56.931 crianças foram registradas sem o nome do pai no Brasil, de acordo com dados levantados pelos cartórios de registro civil. Os números reforçam a necessidade que muitas mães têm de criar os filhos sozinhas em razão da ausência dos pais.
Por trás do dado, há uma série de impactos que recaem não apenas no dia a dia das mães, mas também no dos filhos — como eventuais problemas psicológicos em crianças que crescem sem o apoio paterno, com mães sobrecarregadas e sem rede de apoio.
Esses números ganham ainda mais relevância quando se observa que em 2022 foi registrado o menor número de nascimentos desde o início da série histórica feita pela Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais). Até abril deste ano, foram registrados 858.108 recém-nascidos, 6,6% deles sem o nome do pai na certidão de nascimento. Comparado ao mesmo período de 2018, quando nasceram 954.923 crianças e 51.177 delas foram registradas somente com o nome materno, o número de mães solo cresceu em 5.754 registros.
Esses dados não são somente números ou estatísticas. Retratam pessoas que tiveram a educação, a criação e até o psicológico afetados pela ausência da figura paterna. A assistente administrativa Grazielle Silva, de 29 anos, lembra que cresceu sem o pai. Segundo ela, ele nem sequer “teve a curiosidade” de conhecê-la ou registrá-la.
De acordo com ela, não ter a presença do pai afetou sua forma de se relacionar com as pessoas. “Ele nunca apareceu, minha mãe tentou contato por diversas vezes, e nada. Ele me rejeitou totalmente”, disse. “A figura de um pai fez muita falta. Se eu tivesse crescido com ele, acredito que saberia lidar um pouco melhor com meus relacionamentos. Às vezes meu relacionamento nem está tão legal, mas eu me mantenho nele por medo de que meus filhos cresçam sem o pai. É uma coisa que passei e não quero que eles passem”, desabafou.
A mulher, que nasceu em Minas e passou a morar em São Paulo aos 8 anos, acredita que a sociedade tenha “normalizado” a ausência da figura paterna como “mais um caso de mãe solo e filho sendo criado sem o pai”. Ela afirma, porém, que preza para que os filhos não passem por isso.
Assim como Grazielle, outras pessoas tiveram a criação afetada por conta do abandono do pai. Nesses casos, há um somatório de dificuldades: as mães também passam a ficar mais sobrecarregadas, têm de se responsabilizar pelo sustento financeiro, afetivo, educacional, além da carga mental para conduzir a vida delas próprias e a dos filhos.
Em entrevista, Claudia Oshiro, professora do Departamento de Psicologia Clínica da USP (Universidade de São Paulo), explica que esse fato traz sobrecarga física e mental a essas mulheres. “Elas se sentem muito cansadas e, mais do que isso, desprotegidas, porque acabam à mercê de situações de violência e ficam sem rede de apoio para todas essas tarefas”, diz ela.
“O estado falha com elas em vários contextos: a maioria vive em certa vulnerabilidade, então a falta de educação de qualidade, apoio e até saneamento básico agrava essa situação de desigualdade de gênero”, relata.
Uma moradora da favela conhecida como Brejo Alegre, em São José do Rio do Preto, que preferiu não ser identificada, relatou à reportagem que o filho, de 2 anos, não teve o registro do pai porque o homem afirmou que a criança não era dele. “A gente ficava há uns sete meses quando engravidei, mas nunca foi nada sério. Quando eu disse que o teste deu positivo, ele ficou paralisado por um tempo e depois simplesmente disse que o filho não era dele. Como ele ia saber?”, questionou.
Ela afirma ainda que tentou por diversas vezes discutir a paternidade da criança, sugerindo até mesmo um teste, mas “ele não quis saber”. Sentindo-se humilhada, a mulher optou por viver a gestação e criar o filho sozinha. “Eu ainda tenho minha dignidade. Não tenho muitos recursos, mas trabalho como assistente de uma loja, minha mãe tem me ajudado com o neném e eu segui. Nem se ele quiser agora registro meu filho no nome dele.”